Cientistas fazem descoberta importante sobre funcionamento de canais de sódio
17/02/2012
Por Fábio de Castro
Uma pesquisa internacional estabeleceu um novo protocolo para medir a corrente que passa pelos sensores de voltagem de determinados canais iônicos e identificou o componente responsável pelo mecanismo degating – a abertura e fechamento de canais de sódio sensíveis à voltagem.
A pesquisa foi feita por um grupo de cientistas do Brasil, Estados Unidos e Canadá. Formados por proteínas da membrana das células, os canais iônicos são “túneis” que permitem a passagem de determinados íons para seu interior. Alguns deles são sensíveis à voltagem – isto é, são ativados por diferenças de potencial elétrico nas suas proximidades.
Os canais iônicos sensíveis à voltagem são responsáveis pela propagação de impulsos elétricos que propiciam a comunicação no sistema neural. Esses canais participam ainda de uma série de processos importantes como o controle das concentrações intracelulares de cálcio e hidrogênio.
De acordo com os autores do estudo, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), ao avançar o conhecimento sobre os mecanismos de funcionamento dos canais iônicos sensíveis à voltagem, o estudo abre caminho para o entendimento do mecanismo de ação de diversas drogas e toxinas que se ligam a esses canais.
O trabalho teve participação de Manoel Arcisio-Miranda, do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e de pesquisadores do Departamento de Neurociência da Universidade de Wisconsin em Madison (Estados Unidos) e do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade de Calgary (Canadá).
Arcisio-Miranda iniciou a pesquisa durante seu pós-doutorado em Madison – concluído em 2010 – e deu continuidade ao trabalho no âmbito do projeto “Aspectos moleculares do sensor de voltagem de canais iônicos: estrutura cinética e evolução”, coordenado por ele e financiado pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
“Nesse estudo, conseguimos identificar o domínio responsável, no mecanismo de gating, pelas transições que ocorrem no filtro de seletividade dos canais de sódio sensíveis à voltagem. Entender esse mecanismo é fundamental para desenvolver novas drogas, entender como determinadas toxinas bloqueiam ou paralisam o canal e como mutações específicas alteram seu funcionamento, por exemplo”, disse Arcisio-Miranda à Agência FAPESP.
A estrutura dos canais iônicos sensíveis à voltagem possui quatro subunidades e os pesquisadores descobriram a qual delas o mecanismo de gating está acoplado: o sensor de voltagem do domínio 4. Além de identificar o domínio responsável pelo mecanismo de gating, os cientistas também desenvolveram uma nova abordagem na realização de medidas iônicas.
“O principal avanço foi realizar medidas iônicas por meio do sensor de voltagem. Fazemos isso bloqueando o poro da membrana e medindo uma corrente que passa através do sensor de voltagem. Esse procedimento permite determinar a posição espacial do sensor de voltagem e identificar se ele está ativado ou não e como é seu acoplamento com a região do poro – isto é, a região na qual o íon passa pela proteína”, explicou Arcisio-Miranda.
Sensor de voltagem
No Laboratório de Biofísica de Membranas e Canais Iônicos da Unifesp, Arcisio-Miranda iniciou uma linha de pesquisas voltada para estudos da relação entre a estrutura e a função de canais iônicos.
Os estudos envolvem temas de investigação como o acoplamento entre o sensor de voltagem e o poro de canais para potássio e a caracterização funcional dos resíduos carregados negativamente do sensor de voltagem do domínio 4 para a inativação de canais para sódio.
“A partir de 1998, uma série de estruturas cristalinas dos canais iônicos vêm sendo reveladas. Um dos estudos mais importantes apontou que, no caso dos canais de potássio sensíveis à voltagem, a região que identifica a alteração da voltagem está fisicamente distante da região do poro, como se fosse um apêndice”, disse Arcisio-Miranda.
“Um dos questionamentos que surgiu dessa descoberta foi: se a região sensível à voltagem está em um local da proteína e o transporte do íon se dá em outro local, como eles estão acoplados?”, indagou.
A partir desse questionamento, grupos internacionais identificaram a região conhecida como linque S4-S5 como responsável pela transmissão da informação do sensor de voltagem para o poro e, consequentemente, ao mecanismo de gating. Mas, nos últimos quatro anos, observou-se que a região do poro, em canais de potássio, podia participar também do mecanismo de gating.
“O canal de potássio, porém, tem quatro subunidades idênticas, enquanto no canal de sódio as subunidades são distintas. Por isso, imaginamos que os canais de sódio podiam também ter um mecanismo de gating localizado, controlado na região do filtro de seletividade. Com esse trabalho, conseguimos identificar o domínio que seria responsável pelas transições que ocorrem no filtro de seletividade para os canais de sódio sensíveis à voltagem”, explicou.
Além de identificar o domínio responsável pelo mecanismo de gating e inovar no procedimento para realização das medidas iônicas, os cientistas conseguiram medir as correntes que surgem do movimento do sensor de voltagem.
“Antes desse trabalho, por limitações técnicas, só era possível obter esse tipo de medida com o uso de toxinas ou drogas que bloqueavam o poro central. Conseguimos desenvolver um método que possibilita medir a corrente de gating tornando o poro não condutivo”, disse.
Segundo Arcisio-Miranda, estudos prévios já haviam mostrado a importância do sensor de voltagem do domínio 4 no mecanismo de inativação do canal de sódio.
“Verificamos que o acoplamento entre o filtro de seletividade e o sensor de voltagem, que nós observamos, tem uma probabilidade muito maior de ocorrer quando o canal está em seu estado inativado”, disse.
O artigo Gating transitions in the selectivity filter region of a sodium channel are coupled to the domain IV voltage sensor (doi: 10.1073/pnas.1115575109), de Manoel Arcísio-Miranda e outros, pode ser lido por assinantes da PNAS emwww.pnas.org/content/early/2012/01/27/1115575109.abstract
FONTE: FAPESP